A recentemente aprovada Lei Geral do Esporte introduz mudanças potencialmente transformadoras para a Justiça Desportiva no Brasil, incluindo alterações no código disciplinar e no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Estas modificações, no entanto, dependerão das decisões conjuntas da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e dos clubes filiados.
Com a nova legislação, surge pela primeira vez a oportunidade de reformular ou até substituir completamente o código disciplinar atual e o próprio STJD no que se refere a questões disciplinares no futebol. A Lei Geral do Esporte, especificamente em seu artigo 27, parágrafo único, introduz a possibilidade de uso da arbitragem, conforme a Lei nº 9.307/1996, para resolver conflitos de natureza esportiva que abrangem disciplina, prática esportiva e questões patrimoniais, incluindo trabalhistas e de emprego.
Este aspecto da nova lei foi inicialmente vetado pelo governo federal, mas o veto foi posteriormente derrubado pelo Congresso, consolidando a redação que favorece uma maior flexibilidade na administração da Justiça Desportiva. De acordo com declarações ao senador Carlos Portinho (PL-RJ), tanto a CBF quanto os clubes apoiaram a manutenção da redação original, o que indica um consenso sobre a utilidade desta mudança para o esporte brasileiro. O senador Portinho destacou que a alteração seria benéfica e refletiria positivamente no ambiente esportivo.
Na prática, a nova lei permite que a CBF possa optar por substituir o STJD por um tribunal arbitral, cujo funcionamento seria similar ao do Court of Arbitration for Sport (CAS), baseado na Suíça. Além disso, existe a possibilidade de substituir o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que é legislado, pelo código disciplinar da FIFA. Essa flexibilidade se estende a todas as modalidades esportivas, que poderão adotar códigos disciplinares internacionais conforme suas necessidades.
Apesar da nova lei oferecer a possibilidade de uma reforma ampla, a CBF também poderá optar por manter o sistema atual ou implementar apenas mudanças parciais. Por exemplo, poderia adotar o código da FIFA e manter o STJD, ou estabelecer um tribunal arbitral apenas para determinadas questões disciplinares, deixando as decisões maiores ainda sob a responsabilidade do STJD.
O senador Portinho acredita que o STJD continuará existindo devido à sua eficácia e aceitação atual, mas poderá coexistir com outros formatos de tribunais, especialmente em casos que envolvem sanções menores, como multas ou advertências por cartões amarelos, que já são comumente resolvidas por arbitragem. Esta coexistência visa desafogar o tribunal de casos menos complexos, permitindo um foco maior em questões mais significativas.
Além disso, a nova legislação abre espaço para que qualquer modalidade esportiva opte por ignorar o CBJD e adotar um código disciplinar internacional, o que pode ser particularmente relevante para esportes que não são predominantemente focados no futebol, como indicado pelo senador, que possui experiência prévia como advogado na Justiça Desportiva. A decisão de adotar ou não um código internacional ficará a critério de cada confederação esportiva.
Este panorama legislativo também introduz uma novidade significativa para os atletas: a possibilidade de levar disputas trabalhistas contra clubes para um tribunal de arbitragem, especificamente o CNRD (Câmara Nacional de Resolução de Disputas) da CBF. Até então, embora os jogadores pudessem buscar o pagamento de valores devidos através da justiça desportiva, a nova lei amplia esse escopo para incluir discussões sobre vínculos trabalhistas, uma mudança que potencialmente reduzirá a quantidade de casos levados à Justiça do Trabalho.
Essa abertura para a arbitragem reflete uma tendência global de resolução de disputas no esporte, alinhando o Brasil com práticas internacionais como as observadas no CAS, que já é um modelo bem estabelecido para o tratamento de conflitos esportivos internacionais. A adoção de arbitragem pode oferecer uma via mais rápida e especializada para a resolução de conflitos, algo que tem sido positivamente recebido em outras jurisdições.
A eficácia dessa nova abordagem, no entanto, dependerá de como ela será implementada pela CBF e pelos clubes. O debate interno na CBF sobre a profissionalização da corte e a adoção de arbitragem está em andamento, e a expectativa é que essa discussão se aprofunde com a participação de mais stakeholders, como a Libra e a Liga Forte União, que são associações de clubes interessados em moldar o futuro da justiça desportiva no país.
O senador Carlos Portinho, que tem sido uma figura central nesse processo, acrescentou que a flexibilidade oferecida pela nova lei permite que cada modalidade esportiva decida se quer ou não adotar o código disciplinar internacional de sua federação. Isso significa que não há uma imposição para a mudança; cada confederação pode escolher seguir com o CBJD ou optar por um novo sistema que considere mais adequado às suas necessidades específicas.
Portanto, a nova Lei Geral do Esporte não apenas abre a porta para mudanças radicais na gestão da justiça desportiva no Brasil, mas também oferece um framework flexível que pode ser adaptado conforme as necessidades e particularidades de diferentes esportes e entidades administrativas. Isso pode representar um avanço significativo na maneira como os conflitos esportivos são resolvidos no país, trazendo mais eficiência e especialização para o processo.
Entretanto, a transição para esses novos sistemas de justiça desportiva requer uma análise cuidadosa e a colaboração entre todos os envolvidos para garantir que as mudanças sejam implementadas de maneira que realmente beneficie o esporte brasileiro. Além disso, será essencial monitorar de perto os impactos dessas alterações para assegurar que elas cumpram seu objetivo de tornar a justiça desportiva mais ágil e justa para todos os atores envolvidos.
A definição clara do que será alterado e como essas alterações serão aplicadas só será conhecida após mais deliberações entre a CBF e os representantes dos clubes. Até lá, o cenário da justiça desportiva no Brasil está à beira de uma transformação potencialmente histórica, aguardando as decisões finais que determinarão o curso da disciplina e da resolução de conflitos no esporte nacional.